GLACIAL

Jô Drumond*

Jorge Elias Neto, membro da Academia ES de Letras, despontou no cenário literário capixaba em 2007, com o livro Verdes versos. Posteriormente, publicou Rascunhos do absurdo, Os ossos da Baleia e Glacial. A maior parte de sua produção poética ainda não se encontra à disposição dos leitores. Tem 4 livros inéditos (Breviário dos olhos; Breve dicionário poético do boxe; O ornitorrinco do pau oco; Quadras capixabas) e 3 em andamento: Cabotagem; A Folha; Breve dicionário poético da loucura.

De um modo geral, ele aborda temas universais. Na esteira de Nietzsche, Heigegger e Camus, ele tece seus versos calcado em questionamentos ontológicos. Trabalha mais com ideias que com palavras; busca a emoção da reflexão e não a musicalidade do poema. Seu conceptismo é marcadamente filosófico-existencialista. A maioria dos poemas não é destinada à declamação, mas à leitura e à reflexão. A polaridade vida/morte, recorrente em seus livros anteriores, sobretudo em Rascunhos do absurdo, perpassa também por Glacial, como tema central, em torno do qual giram os subtemas a ele interligados: branco eterno, gelo, nada, silêncio, inércia, infinito, imensidão, vastidão branca, insignificância da vida, Impossibilidade, morte em vida, efemeridade, absurdo da existência, absurdo da morte, tempo, entre outros.

Como cardiologista, em sua faina diária de tentar  estender ao máximo o ritmo e a vitalidade cardíaca dos pacientes, ele depara às vezes com a inexorabilidade da morte, na certeza de que, por mais que tente afastá-la, um dia ela sobrepujará seus esforços. Daí o caráter metafísico, oriundo talvez da ânsia de transcender a materialidade das coisas.

A morte é branca, o gelo é inóspito; ambiente propício para se pensar na morte. O eu lírico se despoja de toda e qualquer vaidade, e se desconstrói, para encontrar a insignificância relativa do ser. Glacial é o primeiro livro temático, inspirado numa viagem aos Andes. Seu hermetismo muitas vezes desnorteia o leitor, que se embrenha em sombras, com vislumbres de claro-escuro. Segundo o renascentista Pico della Mirandola, “as coisas divinas devem ser ocultas por enigmas e dissimulação poética”.

 Em Glacial, tanto os poemas quanto as instigantes ilustrações de Felipe Stefani entram em sintonia com o hermetismo da obra. Palavra e imagem se prestam a uma infinidade de leituras. Cada leitor recria o que lê, ancorado em sua experiência colateral, ou seja, baseado em suas vivências e no conhecimento acumulado ao longo de sua vida.
O poema “Do que prende os pés nos sonhos” (pg.35) se encerra com uma inclusão sentenciosa, entre parênteses: a maior morte / em vida / é a impossibilidade”. A morte em vida é estar preso às amarras da religião, do mercado, da sociedade... é a morte do intelecto, do ser consciente. Como as formigas, do poema “A logística das formigas” (pg.37), é a morte de milhares de seres, agarrados à impossibilidade; seguem para o fim como carneirinhos, uns atrás dos outros, sem questionamentos, sem se descarregarem de suas insignificâncias.

No poema Sujeito”,  o eu lírico “reinventa um céu de possibilidades”, a fim de sair do ostracismo. Recria um mundo possível sem religião (como homem absurdo, questionador), retoma a vida social e sexual, pretende se tornar homem, mas se esfacela novamente (porém conscientemente), ao despejar “um eu calidoscópico no gelo”. Segundo depoimento do autor, inicialmente Glacial teria como subtítulo “dos eu(s) ao(s) sujeito”.

Logo depois do poema “Sujeito”, vem “Celebração”, para celebrar o retorno mencionado. A vida continua. O ser volta-se à natureza, para a qual sua existência é irrelevante. Nesse poema, no qual se afirma que “o disfarce da órbita é desviar-se do óbvio”, há uma imagem literária que só pode ser desvendada com a ajuda do autor. Segundo ele, sua infância foi muito solitária. Comprazia-se em fazer helicópteros de papel, que desciam rodopiando ao serem jogados pela janela do nono andar.  

A maioria de seus poemas brota de imagens mentais ou de reflexões. Ele vê o poeta como “atleta do abismo”, que se equilibra entre a vida e a morte, e como “alpinista do nada”, que se pendura na fenda do portal do tempo (falta de sentido da vida). Ao deparar com o branco (a morte) o atleta/alpinista não mais se move (inércia).
  
É mister sublinhar que essa obra temática mantém uma lógica estrutural: começa com o poema “Compondo o sítio arqueológico”, desenvolve-se  numa composição em mosaico, na qual se agrupam fragmentos e centelhas (experiências de vida e reflexões), e termina com “tetelestai”Jo 19.30 (está consumado).
Mais não digo. Deixo ao leitor o comprazimento da leitura.


Jô Drumond é escritora e membro da: AEL (Academia Espírito-santense de Letras). AFESL (Academia Feminina Espírito-santense de Letras) AFEMIL (Academia Feminina Mineira de Letras) IHGES (Instituto Histórico e Geográfico do ES).

PROBLEMAS E CURIOSIDADES DA LÍNGUA PORTUGUESA

Escritora Jô Drumond
O livro Problemas e curiosidades da Língua portuguesa, do Dr. José Augusto Carvalho, deveria fazer parte de todas as bibliotecas públicas, privadas e particulares. Deveria também ser livro de cabeceira dos estudantes, dos que utilizam a palavra como ferramenta de trabalho, como jornalistas e advogados, assim como dos escritores e poetas, que se comprazem em trabalhar com palavras, para deleite próprio ou para o de seus leitores. Trata-se de uma obra abrangente, destinada a um público amplo e heterogêneo, cujo idioma vernáculo é a “última flor do Lácio, inculta e bela”.
A maioria dos artigos nela contidos foi publicada numa coluna semanal do Jornal A Gazeta, entre 2006 e 2009.
O renomado autor dispensa apresentação, mas faz-se mister ressaltar sua atuação como professor da Ufes (por mais de meio século), como incansável pesquisador, e como ensaísta,  cronista, contista, romancista e tradutor. Doutor em Letras pela USP, dedicou sua vida ao ensino da língua pátria no Estado do  Espírito Santo, onde reside há mais de sessenta anos, oriundo de Minas Gerais.
Publicou 2 romances,  3 livros de crônicas, 3 de contos 4 sobre a língua portuguesa. Publicou também inúmeros artigos sobre língua e literatura em jornais e revistas especializadas. Traduziu vinte livros (do italiano, do francês e do inglês) para as editoras Record, Bom Texto e Cátedra.
O livro em questão, Problemas e curiosidades da íngua portuguesa, contém cerca de quatrocentas páginas, que são verdadeiras lições do vernáculo, propícias a todos os brasileiros e aos lusófonos em geral. Além de tirar dúvidas recorrentes, apresenta inúmeras curiosidades de nossa língua, de modo interessante e bem–humorado. Trata-se de um imprescindível livro de consultas, com leitura leve e agradável.
O autor aborda a importância da língua culta como instrumento de ascensão social, as normas em documentos, a nova ortografia, a redação escolar... Dá diversas dicas para quem escreve,  aponta erros generalizados e/ou interessantes, equívocos vocabulares e “cochilos” de quem escreve.
Em “Erros generalizados”, descobrimos que é  incorreto dizer “vou sair às dez para as nove”. Deve-se dizer “vou sair aos dez para as nove” (aos dez minutos).  Segundo ele, há formas inadequadas tão habituais, que estranhamos ao ouvir a forma certa.  A partícula de exclusão ou advérbio “sequer”, significa “ao menos” ou “pelo menos”. Ex.: faria o trabalho, se me dessem sequer uma oportunidade. É incorreto dizer “ele sequer pagou o almoço”, no sentido negativo. O correto seria “ele nem sequer pagou o almoço”. A locução adverbial “nem sequer” forma a negação. 
Em “Equívocos vocabulares”, ele cita a locução conjuntiva “posto que” (sentido concessivo =embora), usada erroneamente, sobretudo em textos jurídicos, no sentido causal (porque). Outro equívoco: festas juninas (de junho), realizadas em julho deveriam ser festas “julianas” e não “julinas”, como têm sido chamadas, por analogia a junina.
Quanto aos “Cochilos de quem escreve”, o autor alerta aos profissionais da palavra , a fim de que releiam atentamente seus textos, para evitar deslizes tais como nestes avisos paroquiais: “... começará a catequese para meninos e meninas de ambos os sexos”; “o coro de maiores de sessenta vai ser suspenso durante o verão, com o agradecimento de toda a paróquia”;  “estimadas paroquianas: não esqueçais da beneficência! É uma boa altura para vos livrardes de coisas inúteis que tendes em casa. Trazei vossos maridos”.
Um ponto forte da obra concerne às particularidades linguísticas. O autor explica detalhadamente o emprego de locuções que sempre confundem a todos: Em vez de / ao invés de; há cerca de / acerca de / a cerca de;  ao encontro de / de encontro a / a par de / ao par de;  a fim de / afim;  através de / por meio de;  na medida em que / à medida que;   se não / senão;  tampouco / tão pouco;  a princípio / em princípio; abaixo / a baixo;  próximo a / próximo de, entre outras.
Aficionado à origem das palavras, José Augusto focaliza etimologias interessantes, como a de “forrobodó”, falsas, como a de “esculpido e encarnado / esculpido e escarrado, improváveis, como a do termo “religião”,  atribuída seja ao verbo religar, seja ao verbo reler, e etimologias populares, sem respaldo científico: “Sam” (de tio Sam); “etiqueta”; “carnaval”...
Nesta concisa demonstração da amplitude e da relevância dessa obra, é impossível enumerar os importantes e/ou interessantes ensinamentos nela registrados. Cabe ao leitor descobri-los a seu bel prazer.
*O livro só pode ser encontrado no site da editora editor@thesaurus.com.br - www.thesaurus.com.br

Jô Drumond é escritora e membro da: AEL (Academia Espírito-santense de Letras). AFESL (Academia Feminina Espírito-santense de Letras) AFEMIL (Academia Feminina Mineira de Letras) IHGES (Instituto Histórico e Geográfico do ES).